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Fundo solidário transforma comunidade na Ilha do Marajó
Iniciativa virou tecnologia social e garantiu construção de ponte, centro comunitário, cozinha industrial e poço de água potável para a coletividade, entre outras melhorias
O açaí é um alimento nutritivo, gastronomicamente versátil e determinante para a sustentabilidade de comunidades extrativistas que dele vivem. Em Santo Ezequiel Moreno, pequena comunidade de 150 pessoas localizada no município de Portel, na Ilha do Marajó (278 km de Belém), é também a base de uma tecnologia social que vem garantindo autonomia e prosperidade financeira: o Fundo Solidário Açaí.
A iniciativa consiste em captar o valor fixo de R$ 2 por lata vendida do produto in natura para um fundo coletivo. Em oito anos de existência, o empreendimento arrecadou R$ 290 mil. Com o dinheiro, a comunidade garantiu água potável, construiu a ponte de 600 metros que liga as moradias às lavouras de mandioca, um centro comunitário e uma cozinha industrial, entre outras melhorias que ampliam as possibilidades de trabalho e renda.
Certificada pela Fundação Banco do Brasil em 2017 (link: http://tecnologiasocial.fbb.org.br/tecnologiasocial/banco-de-tecnologias-sociais/pesquisar-tecnologias/detalhar-tecnologia-700.htm), a tecnologia é resultado de um processo de mobilização coletiva iniciada em 2004. Naquele ano, quase todas as famílias perderam um parente, amigo ou vizinho por causa do surto de raiva causado por morcegos. A doença atingiu três comunidades e vitimou 15 pessoas em apenas duas semanas.
Laudo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apontou que a migração dos morcegos foi consequência da degradação florestal resultante da derrubada do açaizal por exploradores de palmito. A partir da tragédia, a população começou a pensar em como reverter a situação. A conclusão foi de que manter o açaizal de pé seria mais lucrativo e ambientalmente adequado.
Teofro Lacerda, idealizador do fundo e primeiro presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti-Pereira (ATAA), lembra que naquela época o açaí despontava como grande promessa de negócio e começava a ser exportado para outros países. Mas não foi fácil convencer os demais moradores da comunidade sobre as potencialidades da floresta de pé. Após muita conversa, convencimento e mobilização, as famílias começaram a apostar nessa ideia. Mas com a produtividade do açaizeiro nativo ainda baixa e a ausência do poder público as demandas só cresciam, pois a vila precisava de infraestrutura básica que nem a prefeitura nem o governo estadual supriam.
A ideia da criação do fundo surgiu entre 2009 e 2010, quando o coletivo vendeu 20 mil latas de açaí. Cada produtor começou contribuindo com R$ 1 por lata vendida. Logo, a comunidade tinha recursos para construir a ponte. A obra custou R$ 35 mil e foi totalmente custeada pelo fundo. "Os engenheiros foram os próprios comunitários e a mão de obra foi de toda a comunidade", conta Lacerda. Desde então, os moradores têm muito mais facilidade para entrar ou sair da vila. “Essa ponte é a nossa ‘avenida’. Antes a locomoção era muito difícil. A gente tinha que embarcar na canoa e caminhar sobre rolos de madeira soltos para poder estudar, trabalhar e qualquer que fosse a atividade fora.”, lembra o técnico agrícola.
O fundo também possibilitou a construção de um centro comunitário. No local acontecem reuniões, ações da Pastoral da Criança, cursos e festas. Outra conquista foi a construção de um poço artesiano que hoje abastece de água potável uma área de mais de 800 metros quadrados. “Tudo isso mudou a nossa realidade da água pro vinho”, explica Lacerda.
A melhoria mais recente é a cozinha industrial comunitária. No local, cerca de 20 mulheres produzem alimentos que são vendidos para as escolas da região (por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE), gerando renda para o coletivo. De acordo com a ATAA, 5% da receita obtida com a atividade vão para o fundo. “A ideia é diversificar as fontes de recursos para que o fundo seja cada vez mais sustentável”, ressalta Lacerda.
O técnico agrícola Nilson Corrêa da Silva, atual presidente da entidade, afirma que as perspectivas da comunidade mudaram completamente após a criação da associação e do Fundo Açaí Solidário. “As crianças de hoje têm mais possibilidades de educação e mais qualidade de vida do que as da geração anterior. Nossa meta é formar contadores e outros profissionais para gerir o fundo daqui a algum tempo”, explica.
Outro objetivo é ampliar a produção de açaí e começar a exportar para fora do país. “Agora podemos sonhar mais alto e com a certeza de que uma hora ou outra o sonho vai se tornar real”, afirma Silva. Por ano, são comercializadas 200 toneladas de açaí. Os compradores são restaurantes da região, escolas e alguns atravessadores.
Combate à pobreza
O Fundo Solidário Açaí é uma tecnologia social relacionada com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 1 da Organização das Nações Unidas (ONU): acabar com a pobreza em todas as suas formas.
Definidos pela ONU durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, também conhecidos como Objetivos Globais, fazem parte da Agenda 2030, que se baseia nos progressos e lições aprendidas com os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, entre 2000 e 2015. Esta agenda é fruto do trabalho conjunto de governos e cidadãos de todo o mundo que pretende criar um novo modelo global para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o meio ambiente e combater as alterações climáticas.
No total são 17 ODS e 169 metas que estimulam ações até o ano de 2030 em áreas de importância crucial para a humanidade e para o planeta.
Esta matéria faz parte da série “Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil”, produzido pela Fundação BB com conteúdos sobre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que fazem parte da Agenda da Organização das Nações Unidas para o ano de 2030.